Parece que toda obra prima nasce de um momento de iluminação, certo? Aquela eureka, aquele zeitgeist, aquele toque final.
Bem, errr… Talvez sim, talvez não.
Como falamos na última edição,
O processo de criação parece sempre incluir uma etapa inicial de consumo. Seja de palavras, imagens ou sensações.
Que tal então começar de uma obra que já está pronta? Calma! Não estamos propondo plágio. Respire, tá tudo bem. Voltou? Vamos lá. Essa proposta chamamos de apropriação, que aparece no começo do século XX e tem o conhecidíssimo Marcel Duchamp como expoente, com o uso de ready-made como roda de bicicleta ou o famoso urinol. Também temos o bacanérrimo Andy Warhol e seus artigos pop nos anos 60. Eu, Paula, vou puxar a sardinha pras mulheres artistas e deixo com vocês a incrível Chiharu Shiota e seu Quarto de Memórias:
Bora roubar como um artista?
EXERCÍCIO #3
Escolha uma obra ou objeto. Pode ser um texto, música, fotografia, desenho, objeto de decoração ou utilitário. Não pense muito, escolha. Aproprie-se.
Depois da escolha, pratique um ato de edição. Aqui, não deixaremos muitas dicas ou ordens de como fazer isso, para não contaminar sua imaginação. Esse vídeo pode te dar algumas pistas, mas não se prenda a elas!
Exemplo: o papel dessa colagem multimeios era originalmente um cardápio de restaurante. A frase utilizada em volta do coração, o verso de uma música de abertura do seriado Killing Eve. A forma do coração veio de um adesivo que ganhei numa feira de arte. Combinados e editados, os elementos viraram:
ANTERIORMENTE EM TORANJA…
No intervalo entre a segunda e terceira edição, não recebemos contribuições. Refletimos juntos as razões, mas por hora, melhor não fazer inferências e reafirmar nosso compromisso com a experimentação. O convite continua aberto, você pode fazer o exercício número dois quando quiser e compartilhar conosco a qualquer tempo. Criação precisa de liberdade. 👽
Marisa Monte nos diria: te quero livre também, como o vento vai e o vento vem. ;)
Não esqueça de compartilhar suas criações em suas redes sociais usando a hashtag #toranjanews ou as enviando para o e-mail extoranja@gmail.com
BONA TO VADA!
E até a próxima experiência!
"18:27 marcavam os ponteiros quando ela chegou" - Munike Ávila
AAAAAAHHHH!!!
O berro saiu alto. Forte. Intenso. Com ele senti a cabeça, depois o corpo. Dois empurrões na barriga que, de uma hora pra outra, virou vazio.
Bem que minha mãe disse que quando estoura a bolsa, bebê nasce. A genética não falhou. Do anestesista só vi a cara, era tarde demais. Do quarto, ora cheio ora vazio, aproveitei tudo para suportar a dor.
A mesma me fez perder a voz. Falava só o necessário. O corpo pedia trégua em forma de apelo revestido de bom humor. Me deixem descansar, deixa essa menina na barriga mais um pouquinho.
Não ouvia mais o tic tac ressoando das paredes. Tampouco o corpo latejar. A exaustão procurava fuga em meus olhos. Oxitocina. Pegaram na minha mão e me lembraram que eu era forte e faltava pouco para ver minha menina.
Não sei de onde surgiu aquele berro, era o corpo todo que gritava. Dois empurrões e um bebê nos braços. A dor sumiu. A ficha não caiu logo de cara. Éramos duas criaturas em choque: eu naquela cama, ela naquele novo mundo.
Dei nos braços do pai. Ainda tinha a placenta e os pontos de um corpo dilacerado. Enquanto isso, ele cantava pra ela e eu me apaixonava por eles, de novo.
18:27 marcavam os ponteiros quando ela chegou. O exato instante em que o sol se esconde e a lua abre sua cortina. Assim veio, trazendo mudança.
Nos juntamos os três feito ninho nas próximas duas horas devidamente cronometradas. Agora estávamos completos.
(Texto criado baseado no poema Ascendente Escorpião de Matilde Campilho)