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"18:27 marcavam os ponteiros quando ela chegou" - Munike Ávila

AAAAAAHHHH!!!

O berro saiu alto. Forte. Intenso. Com ele senti a cabeça, depois o corpo. Dois empurrões na barriga que, de uma hora pra outra, virou vazio.

Bem que minha mãe disse que quando estoura a bolsa, bebê nasce. A genética não falhou. Do anestesista só vi a cara, era tarde demais. Do quarto, ora cheio ora vazio, aproveitei tudo para suportar a dor.

A mesma me fez perder a voz. Falava só o necessário. O corpo pedia trégua em forma de apelo revestido de bom humor. Me deixem descansar, deixa essa menina na barriga mais um pouquinho.

Não ouvia mais o tic tac ressoando das paredes. Tampouco o corpo latejar. A exaustão procurava fuga em meus olhos. Oxitocina. Pegaram na minha mão e me lembraram que eu era forte e faltava pouco para ver minha menina.

Não sei de onde surgiu aquele berro, era o corpo todo que gritava. Dois empurrões e um bebê nos braços. A dor sumiu. A ficha não caiu logo de cara. Éramos duas criaturas em choque: eu naquela cama, ela naquele novo mundo.

Dei nos braços do pai. Ainda tinha a placenta e os pontos de um corpo dilacerado. Enquanto isso, ele cantava pra ela e eu me apaixonava por eles, de novo.

18:27 marcavam os ponteiros quando ela chegou. O exato instante em que o sol se esconde e a lua abre sua cortina. Assim veio, trazendo mudança.

Nos juntamos os três feito ninho nas próximas duas horas devidamente cronometradas. Agora estávamos completos.

(Texto criado baseado no poema Ascendente Escorpião de Matilde Campilho)

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